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O tema de março não poderia ser outro senão o meu retorno à Universidade para as aulas do doutorado. Sentada no primeiro dia de aula e muito emocionada, afinal era um sonho antigo (e pensando no seu surgimento, cheguei à conclusão que foi logo que comecei a estudar moda e possivelmente tenha me encantado com uma professora doutora e naquele momento decidi que um dia também seria doutora na área da moda). Isso foi há exatos 20 anos atrás.
Relembrar me trouxe uma sensação gostosa de pensar com clareza as coisas que desejo para daqui a 20 anos, porque sei que no momento certo elas acontecerão (e se Deus assim quiser!)
Pois bem, o recomeço aos estudos trouxe a exata sensação de 20 anos atrás: aquela desconfortável sensação de estar completamente perdida, pois o programa do doutorado é de Política Social e Direitos Humanos e 90% dos meus colegas são estudantes que vieram de cursos como direito e assistência social. A sensação é a mesma, pois por mais que meus colegas tenham formação em uma área diferente da minha, temas como sociologia, história e filosofia são básicos do ensino médio e por eu ter tido uma educação deficiente em vários aspectos, fico com esse sentimento e com uma necessidade de me esforçar mais. As áreas de humanas são fundamentais para a nossa compreensão não só do mundo, mas também individual e sobretudo para nós profissionais da moda.
E enquanto eu me martirizava por não entender parte dos temas ou expressões faladas por jovens de 20 anos, lembrei de uma situação que aconteceu no início das aulas no curso de Design de Moda há também exatos 10 anos: Ao apresentar os materiais para os alunos do primeiro semestre, uma senhora (advogada) que fazia o curso de moda para futuramente fazer uma transição de carreira, perguntou espantada o que era "cortador de fio", afinal nunca tinha visto um. Surgiram algumas risadinhas de um grupo de estudantes que já vinham de um curso técnico e eram entendidos no assunto. Aquela situação gerou um desconforto na sala e acabou dividindo a turma entre as jovens recém-saídas da escola e cursos técnicos e as mulheres maduras em transição de carreira que estavam correndo atrás dos seus sonhos antigos.
Certo dia, em outra aula, a professora mencionou algum tema relacionado à Sorbonne (a tradicional universidade francesa) e o grupo de jovens indagou a professora, pois não faziam ideia do que era "Sorbonne". Essa historinha boba que dividiu uma turma e causou inimizades não sai da minha memória nestes momentos em que, por algum motivo, me sinto atrasada sobre temas que aparentemente todos sabem, menos eu.
Até porque não há como sabermos de tudo e disso tenho total consciência, e por mais que eu leia livros diversos e estude, mais tenho certeza de que a busca por conhecimento é infinita. E além do conhecimento teórico, existe também o conhecimento empírico e, felizmente, graças à minha curiosidade e vontade de experimentar essa forma de conhecimento, sinto que aproveitei as experiências que apareceram na minha frente e as vivi intensamente. Você também sente? O que teria feito diferente? E aí também vem aquele sentimento de que é bom ter experiência de vida. Então, ao contrário de me sentir "velha" no meio de uma turma com jovens de 20 anos, consigo ver a vantagem que a idade e que as experiências vividas me trouxeram e quão gostoso é estar nesse meio com cabeças jovens e vivências diferentes.
Para concluir, queria salientar esse misto de sensações, a felicidade e angústia de estar aprendendo algo novo pela primeira vez, essa ambiguidade de se sentir "velha" mas experiente. E no meio disso tudo também tenho questionado a minha falta de posicionamento sobre alguns temas, tais como feminismo e política de forma geral. Ao me deparar com discussões sobre esses temas, imediatamente lembro da criação que tive em casa, por um pai palestino, e começo a entender um pouco mais sobre a minha identidade, crenças e valores. Estou falando tudo isso pois sei que tenho leitores que estão nesse momento transitório, pensando em fazer transição de carreira. Alguns já estão e também ficam perdidos no meio de tantos conteúdos novos, com aquela sensação e dúvida se um dia aprenderão tais conteúdos, ou ainda, se darão conta desta nova "empreitada". E para ambos os públicos, tanto os que estão em fase de formação de uma profissão ou os que estão em transição, queria salientar a importância de termos nossas opiniões próprias, formadas e termos a convicção do nosso posicionamento.
Esse é um assunto que eu já venho pensando há tempos e por isso serei extensa aqui, mas preciso compartilhar também algo engraçado que aconteceu esses dias e que também me trouxe a reflexão sobre o tema que abordei na newsletter de janeiro sobre inteligência artificial.
Estava há tempos por comprar o livro Moda e Guerra, especialmente para a nova edição do clube do livro e acabei comprando de um sebo. Ao receber e abrir a embalagem, percebi que o livro vinha envolto de vários papéis que pareciam ser um teste de vestibular. Em uma das imagens tinha uma foto que foi capa da The Economist onde o Cristo Redentor decola como um foguete. Ao olhar a imagem a minha filha, Eugênia de 6 anos me olhou chocada e perguntou: "mãe, isso existe? O Cristo voa assim?" Eu já venho acompanhando há algum tempo o impacto das tecnologias na moda e educação, e um tema que me deixou pensativa foi a relação das novas gerações com essas tecnologias e o dilema que enfrentam.
Como este é um tema que eu não domino, sou apenas uma aprendiz e como disse, venho refletindo e precisava dividir com vocês, compartilho algumas leituras interessantes sobre o que mencionei:
https://exame.com/bussola/como-desenvolver-o-pensamento-critico/
Francys, e a moda no meio disso tudo? A moda entra aqui no contexto do conhecimento necessário para criarmos moda de verdade, pois estamos passando um momento onde o copia e cola rolam soltos por ai, a qualidade e atenção aos detalhes anda esquecida e honestamente, mais descartável e sem criatividade como está, ao meu ver é impossível ficar pior então eu tenho a esperança de que as coisas melhorem e para isso precisamos estar abastecidos de conhecimento, tanto teórico quanto técnico e nao so de moda, mas de assuntos diversos que nos cercam.
Comecei a seguir ha pouco uma pagina no Instagram que denuncia criadores nacionais que copiam descaradamente de estilistas consagrados. Essa pratica é comum, nao é novidade, mas o que me deixou triste foi ver alguns nomes jovens de criadores que sao enaltecidos e que por um momento também pensei que faziam algo original, pois o discurso é sempre muito lindo. Nao quero julgar, apenas compartilhar esse episódio que levou a esperança que eu tinha na moda nacional. Mas vamos olhar para esse cenário com bons olhos? Nao é porque estão todos "emburrecendo" que devemos seguir a manada, vamos tentar fazer diferença? E se nao resultar em nada ao menos nos transformamos, pois o conhecimento sempre transforma. É uma frase clichê, mas muito real.