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DIA MUNDIAL DO LIVRO: REFLEXÕES E ENTREVISTA PARA UMA REVISTA ACADÊMICA



21 de abril é o dia dedicado ao livro e você sabe a origem da data? Curiosa fui pesquisar e descobri que foi uma data escolhida em homenagem a Miguel de Cervantes, escritor espanhol e conhecido pela sua obra prima Dom Quixote.


Teria muitos vieses para explorar a data de hoje por aqui, até porque inicialmente eu basicamente sobre livros que eu falava e ainda tenho muito para falar sobre, mas vou aproveitar e compartilhar com vocês uma entrevista que concedi recentemente para uma revista acadêmica e como ainda não foi publicada, não vou cita-la.


ENTREVISTA*


É notável que, além da Moda, a Literatura é tema do seu interesse, que existe uma grande inclinação de sua parte à leitura. Antes de profissional do ramo da Moda, você é leitora de grandes obras ficcionais. Tendo em vista esses dois gostos, não nos contemos a perguntar-lhe em que ponto texto e moda se aproximam, ou de que forma as duas áreas se interligam, não apenas em termos conceituais, mas na prática, em sua vida?


De forma conceitual, a moda é como o espelho da sociedade, onde, além das tendências e estilos, ela reflete os valores, ideias e mudanças no âmbito sociais e culturais. Neste contexto, eu vejo que a literatura é um instrumento que desempenha um papel fundamental, ao lado de outras manifestações artísticas, como as artes plásticas, por exemplo. Para os estudiosos e amantes da moda, parte dos registros históricos que temos está documentada em livros e quadros. Por isso, para mim, a literatura é essencial, pois se não fosse Gustave Flaubert descrever com minúcia de detalhes as aventuras (e desventuras) de Emma Bovary, como poderíamos imaginar que a moda, o luxo e o consumo são as mazelas da sociedade desde meados de 1857?


Além da noção histórica e contexto social que todas as obras apresentam, fazendo com que eu consiga relacionar os acontecimentos de forma linear, o que é extremamente útil para mim enquanto professora e profissional na área da moda, outro benefício que percebo é o repertório que venho acumulando ao longo dos anos graças a essas leituras, junto com a possibilidade de poder viver de forma empática na pele dos personagens durante um tempo e, com isso, aprender e identificar a perspectiva do outro.


Acredita que a Literatura pode enquadrar-se na sua compreensão do que é a Moda?


Para mim a moda é uma área social, logo entendo que sim, a literatura pode ser enquadrada e que em ambas as áreas exista uma espécie de contribuição mútua. Neste sentido, analisando a moda pelo ponto de vista mais comum que é o da vestimenta, o que seria de um romance, uma poesia sem os pormenores que definem os

personagens através da descrição da sua roupa ou estilo? E como citei antes, do quão rico o registro literário que temos do passado para entender hábitos e costumes? Sendo assim existe uma sinergia entre as áreas da moda e literatura.


Geralmente, as grandes cabeças pensadoras da Moda e da Literatura têm formação multidisciplinar e/ou interesse interdisciplinar, transitando por diversas áreas do saber. Você é uma dessas figuras que transita, embora se mantenha no “pólo” da Moda. Do seu ponto de vista, como a abordagem interdisciplinar pode contribuir com a produção intelectual e da Moda?


Acredito que a multidisciplinaridade é um dos segredos da criatividade, pois ao conhecermos outras áreas, nos abastecemos criativamente e assim podemos fazer uma integração entre conhecimentos distintos. Deste modo, penso que a produção intelectual fornece inúmeros estímulos, inclusive no processo cognitivo, pois quando estamos envolvidos com a leitura, aumentamos as nossas conexões neurais. Neste contexto, é interessante salientar o benefício da leitura para o designer de moda enquanto criador. Este profissional precisa desenvolver coleções interessantes, com apelo estético, significado e, sobretudo, caráter inovador


Podemos considerá-la uma coolhunter/ trendhunter? Se sim, de que maneira o seu olhar afiado para tendências influencia suas leituras (ou modo de ler) e na sua percepção da Moda?


Me considero uma pessoa inquieta e curiosa, que consegue captar sinais e que busca compreender de onde eles veem, e isso não é aplicado à moda propriamente dita, mas a vários movimentos. Sendo assim eu penso que o repertório que venho acumulando ao longo da vida com as leituras e vivências fazem com que eu tenha uma compreensão rápida e assertiva diante de alguns acontecimentos, até porque não existe nada novo, tudo que acontece hoje seja em qual campo é repetição de algo com uma nova roupagem e isso não apenas na moda. Então, estar constantemente estudando e lendo, principalmente os clássicos, me solidifica para que eu possa compreender o novo e pensar e estar preparada para as transformações.


Não é frequente que as pessoas se interessem por livros de Moda ou sobre a Moda, a não ser os estudantes de cursos da área. Gostaria que comentasse brevemente sobre o clube do livro (voltado à Moda), que decidiu criar: que pensamentos, gostos ou aspirações impulsionaram essa decisão? Quais são os seus objetivos com essa criação? Qual é o público do clube?


O que me trouxe para a internet foi justamente esse desinteresse por parte dos estudantes quando eu me dedicava apenas a docência. Como professora universitária eu ficava triste ao ver que os alunos não liam os livros da bibliografia recomendada ou ainda, quando precisavam fazer algum trabalho recorriam aos blogs de moda, que na época não tinham embasamento teórico. Insatisfeita e buscando encontrar pessoas que também fossem apaixonadas pelos livros comecei o meu canal e site homônimo em 2016. Me dediquei ao canal como hobby até que em 2020 passei a trabalhar de forma 100% online como professora de Moulage e aí abandonei os livros. Como um resgate ao

que me trouxe para o online e também uma forma de contribuir com a formação da minha comunidade e alunos do curso de moulage, tive a ideia de lançar o clube.Também era uma forma de me forçar a ler mais sobre moda e debater assuntos que me deixavam inquieta.


Então o que era para me fazer ler mais acabou sendo um impulsor para eu fazer o doutorado na área de ciências sociais, pois muitos questionamentos vieram com as leituras e debates do clube e vejo o quanto a área científica da moda no Brasil é pouco explorada e que apresenta inúmeras possibilidades.


O público do clube é variado e composto por estudantes de moda, profissionais de áreas distintas como modelagem, personal stylist e estilistas. Também tem um grupo de aspirantes, pessoas que amam moda e estão se preparando para uma transição de carreira. É um grupo interdisciplinar com pontos de vista e bagagens únicos e que contribuem trazendo um novo olhar. E o objetivo é justamente este, um espaço para o debate sobre a moda, a indústria e o universo criativo com experiências e olhares distintos.


Sabemos que sua biblioteca de Moda é bastante vasta. Agora, detendo-nos nos livros de ficção, quais obras são/foram mais significativas na sua jornada enquanto leitora, pessoa, pesquisadora etc.? Alguma te influenciou na decisão sobre tomar o rumo da Moda?


Primeiro preciso ser honesta e dizer que não houve um momento onde trabalhar com moda fosse a realização de um sonho antigo e sim uma oportunidade que surgiu e como era a maneira que tinha na época de mudar de cidade e morar sozinha eu acabei aproveitando. Tiveram alguns episódios na minha infância que justificam o que faço

hoje e o que me impulsiona, porém eles não eram ligados à moda ou roupas. Meu contato com a literatura veio através da professora do ensino médio. Acabei me apaixonando pelos livros que ela indicava e também sabia que precisava ler para prestar o vestibular, então como preparação acabei tomando gosto pela leitura.


Existe um livro em especial dessa época que eu guardo lembranças com carinho que é Senhora" de José de Alencar. O livro tem uma forte crítica social, mas na minha cabeça de adolescente o que resta é a personalidade forte de Aurélia, os hábitos e costumes do século XIX e especialmente o detalhe das roupas. Aquela riqueza de detalhes característica do romantismo me encantava. Após, já cursando Moda e Estilo, alguns livros foram importantes a cada época por contribuírem e reafirmarem a minha paixão pela moda. Um marcante é "O casaco de Marx - Roupas, memórias, dor" de Peter Stallybrass, que traz muito forte a questão das roupas e objetos em nossas vidas. Oscar Wilde, Hemingway, Balzac, Kafka, Tolstoi, todos esses autores escreveram obras que me marcaram em certos momentos da vida e me ajudaram a tomar certas decisões. Uma vez li que deveríamos ter cuidado sobre os autores e títulos que lemos pois eles acabam nos influenciando e moldando a nossa personalidade. Não tenho nenhuma dúvida sobre isso, "O velho e o mar" de Hemingway me ajudou durante um momento complicado que eu vinha vivendo e foi essencial para que eu entendesse o que fazia sentido na minha vida. Da mesma forma livros "A metamorfose" de Kafka, "A mulher desiludida" de Simone de Beauvoir, entre tantos outros me ajudam em vários aspectos da vida e recentemente obras de Gilles Lipovetsky, Guillaume Erner, Bauman e Bourdieu me despertaram a curiosidade e vontade de entender e relacionar os movimentos da moda com a nossa realidade, então por esse motivo ingressei em um programa de doutorado de Política Social e Direitos Humanos.


Para concluir nossa conversa, que indicações ou mensagens sobre a Moda e a Literatura você gostaria de compartilhar com quem possa estar te lendo neste momento?


Busque entender a moda como um espelho da sociedade, ela reflete nossos posicionamentos, ideologias, sonhos e aspirações e então sempre que ler algo procure fazer essas relações. É uma frase clichê, mas acredito e sou prova de que a "leitura transforma". Estudei em escola pública e moro no interior do Brasil, em uma cidade de 10 mil habitantes

e que fica distante de grandes centros. Vivi grande parte da vida sem referências e sem acesso à vida cultural, porém posso dizer que os livros me salvaram, me trazendo conhecimento, inspirando e fazendo com que eu pudesse vislumbrar uma realidade diferente, então resumindo minha dica final é: LEIA!


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