REFIBERD, MECHLABS E A MODA DO FUTURO: BASTIDORES DA IMERSÃO NO VALE DO SILÍCIO
- Francys Saleh

- 1 de nov. de 2024
- 5 min de leitura

Durante minha estadia no Vale do Silício vivi uma das experiências mais inspiradoras da minha trajetória como pesquisadora e profissional da moda.
Estar nesse território onde é possivel sentir a inovação e energia criativa a cada esquina é a realização de mais um sonho. Sempre amei tecnologia, mas vivenciar de perto esse ecossistema me fez compreender de forma ainda mais profunda como ela se entrelaça com a moda e como as duas áreas compartilham um mesmo princípio essencial: resolver problemas humanos com sensibilidade e imaginação.
Durante a imersão visitamos a Circuit Launch, um dos maiores espaços colaborativos de hardware e robótica da Califórnia, localizado em Oakland. O ambiente é exatamente o que se imagina quando pensamos no Vale do Silício: laboratórios cheios de protótipos, sensores, cabos e ideias em movimento. Lá, engenheiros, designers e empreendedores trabalham lado a lado desenvolvendo soluções que unem o físico e o digital. O clima é de laboratório vivo, em que todos parecem movidos pelo desejo de criar o futuro com as próprias mãos.
Bom, dentro desse ecossistema, visitei duas iniciativas que sintetizam o que mais me encanta na interseção entre tecnologia e moda: Refiberd e MechLabs. A primeira é uma startup fundada por três mulheres engenheiras que estão revolucionando a reciclagem têxtil com o uso de inteligência artificial e imagens hiperespectrais. O que elas fazem é quase mágico: com uma câmera capaz de capturar centenas de comprimentos de onda da luz, o sistema “lê” o tecido e identifica exatamente de quais fibras ele é composto. Tudo isso sem processos químicos invasivos, apenas com dados e algoritmos.
Funciona assim: A máquina analisa pequenas amostras de tecidos, e em segundos a tela mostra a composição exata de cada um: algodão, poliéster, viscose, misturas complexas que normalmente inviabilizam a reciclagem. Com esse tipo de precisão, a Refiberd está abrindo caminho para uma moda verdadeiramente circular, em que os resíduos têxteis podem ser separados corretamente e reaproveitados em larga escala.
Enquanto conhecia o projeto, pensei em como a IA pode ser uma aliada ética e estética da moda. Ética, porque permite rastrear e compreender os materiais de forma transparente, algo essencial para a sustentabilidade. E estética, porque liberta criadores e marcas para experimentarem novos modelos sem culpa, sabendo que existe tecnologia capaz de mitigar o impacto ambiental.
Ver jovens engenheiras resolvendo problemas complexos com tanta clareza técnica e propósito humano foi inspirador e me deu ainda mais vontade de aproximar os estudantes e profissionais da moda desse tipo de conhecimento.
Na sequência, mergulhei em outro universo dentro do mesmo complexo: o MechLabs, um laboratório educacional que funciona como uma comunidade de aprendizado prático em robótica e mecatrônica. O lema deles é simples e poderoso: build it to learn it, construa para aprender. O espaço é aberto, repleto de bancadas, motores, impressoras 3D e componentes eletrônicos. Ali, pessoas de diferentes idades e formações constroem robôs, mecanismos e dispositivos físicos que ganham vida diante dos olhos. E um aspecto interessante que percebemos quando chegamos lá, pela manhã: o local estava praticamente vazio, pois os engenheiros costumam trabalhar pela noite ou fazem seus próprios horários de acordo com suas demandas e seus projetos.
Essa experiência me fez refletir sobre o quanto a moda também é uma forma de engenharia sensível. Assim como um robô precisa de sensores para reagir ao ambiente, uma roupa também “sente” o corpo e responde aos gestos e temperaturas.
A diferença é que, na moda, essa resposta é feita em tecido e não em metal. Estar no MechLabs me fez querer aproximar ainda mais a pedagogia da moda das metodologias do design tecnológico. Prototipar, testar, errar e refazer são princípios comuns tanto no ateliê quanto no laboratório.
O que mais me impressionou no Vale do Silício foi perceber que tudo ali é construído em torno da colaboração e da curiosidade, na verdade esse é um dos valores do Vale. As pessoas compartilham ideias sem medo, ajudam umas às outras e se encantam com o processo de descoberta. É um ambiente que estimula o pensamento criativo e, ao mesmo tempo, o pensamento crítico: cada invenção precisa ter propósito, resolver algo real, impactar positivamente o mundo. Essa mentalidade é a mesma que acredito que a moda deve cultivar no século XXI.
Quando voltei para o hotel naquela noite, ainda com a cabeça fervendo de ideias, anotei no meu caderno uma frase que ouvi repetidas vezes durante a imersão: “O futuro é interdisciplinar”. E é exatamente isso. A moda não pode mais viver isolada em seu próprio universo. Precisamos dialogar com engenheiros, programadores, sociólogos e filósofos.
Precisamos entender o que está acontecendo nos laboratórios de IA e traduzir isso para o campo do sensível, do vestível, do cotidiano.
Estar no Vale do Silício foi também um reencontro comigo mesma. Desde pequena, sempre fui fascinada por tecnologia e por muito tempo achei que essas duas paixões caminhavam em direções opostas, até perceber que o futuro da moda depende justamente dessa convergência. Hoje vejo que o design, a ciência e a criatividade são faces de um mesmo processo de transformação.
Senti uma alegria profunda ao perceber que estou vivendo uma época em que é possível unir esses mundos. Ver de perto startups que estão mudando o destino dos resíduos têxteis, laboratórios que ensinam robótica de forma colaborativa e pessoas dispostas a construir soluções reais me fez acreditar ainda mais no poder da inovação responsável.
A imersão no Vale do Silício não foi apenas uma viagem de pesquisa, mas um exercício de imaginação sobre o que o futuro pode ser. Voltei com a sensação de que precisamos cultivar a mesma energia de experimentação e propósito que encontrei lá. O que está acontecendo nos laboratórios da Califórnia não é algo distante ou restrito à tecnologia: é um convite para repensarmos a própria essência da moda, não como um fim, mas como um meio de conectar pessoas, matérias e ideias.
Quando falo que amo tecnologia, não é apenas pelo fascínio das máquinas, mas porque acredito que ela é a nova costura invisível que conecta o mundo. A moda, com sua capacidade de traduzir comportamentos e emoções, tem muito a ganhar nesse diálogo. E se há algo que aprendi caminhando pelos corredores do Circuit Launch, é que o futuro será feito por quem tiver coragem de unir sensibilidade e ciência, intuição e algoritmo, tecido e código.
Essa viagem me transformou profundamente e me deixou ainda mais comprometida em levar essa visão para meus projetos e para os alunos que me acompanham. Entendi que o futuro da moda não está apenas nas passarelas, mas também nas oficinas tecnológicas, nos dados, nas interfaces e, sobretudo, nas mãos humanas que continuam criando com propósito.
O Vale do Silício me mostrou que o novo luxo é o conhecimento e que inovação e empatia podem, sim, caminhar juntas! Em breve trago mais insights e um resumo das visitas que fiz! Um beijo e até o próximo post.
















