MERCERIE ULTRAMOD 1832: UM MERGULHO NA HISTÓRIA DOS ARMARINHOS EM PARIS

Francys Saleh
24 de ago.
4 min de leitura

Quem acompanha meus posts aqui no blog, sabe o quanto gosto de compartilhar endereços especiais de armarinhos pelo mundo, já que esses pequenos templos da criação que guardam mais do que botões, fitas ou linhas: eles guardam memórias, saberes, modos de fazer e uma herança cultural preciosa. E hoje quero falar de um lugar que, para mim, é um verdadeiro ícone parisiense: a Ultramod, a mercerie mais antiga da cidade, localizada no charmoso Passage Choiseul.

Antes de entrar na Ultramod, é impossível não se deixar envolver pela atmosfera do Passage Choiseul, no 2º arrondissement de Paris. Inaugurado em 1827, esse é um dos históricos passages couverts da cidade, que são as galerias cobertas por claraboias de vidro que, no século XIX, foram pontos de encontro da burguesia parisiense. Ali se comprava moda, se conversava, se trocavam ideias e, de certo modo, se moldava o estilo de vida moderno.

O Passage Choiseul ficou conhecido também porque foi imortalizado por Louis-Ferdinand Céline, que cresceu por ali e trouxe o lugar para a literatura. Hoje, caminhar por esse corredor é revisitar um tempo em que Paris respirava moda e cultura a cada esquina, e onde cada vitrine carregava um convite à imaginação.

É nesse cenário que encontramos a Ultramod, que atravessa quase dois séculos como guardiã de um savoir-faire raro.

Fundada em 1832, a Ultramod nasceu no coração do distrito dos modistes, próximo à Opéra Garnier e à Rue de la Paix, onde também florescia a alta-costura. Sua função inicial era abastecer as modistas, as artesãs especializadas na confecção de chapéus, peças indispensáveis no guarda-roupa feminino da época.

E não se tratava de um simples acessório: o chapéu era considerado o toque final de elegância, a peça que coroava o look. Escolher um chapéu demandava tempo, consultas e confiança entre cliente e modista.

O processo começava pela ocasião: um modelo para a ópera jamais seria usado para um passeio nos Jardins das Tulherias, por exemplo. Depois vinham as decisões de forma, material e ornamentos, que variavam entre flores de seda, plumas, fitas de veludo, tule, rendas.

A Ultramod fornecia justamente esses materiais de excelência, muitos deles vindos de Lyon e de outras regiões tradicionais da França, tornando-se rapidamente referência entre as maisons de chapéus.

No século XX, a casa se expandiu, abrindo uma mercerie na Rue Choiseul em 1920, especializada em aviamentos, botões, fitas, linhas, agulhas e todo tipo de passementerie.

E assim, até hoje, as duas boutiques resistem uma em frente à outra: de um lado, a chapellerie (fournisseurs des modistes), dedicada a chapéus; do outro, a mercerie, com seus botões, fios e ornamentos que fazem qualquer designer ou costureira sonhar.

Entrar na Ultramod é, de fato, uma experiência quase cinematográfica. O interior preserva muito do antigo: um balcão de madeira com caixa registradora de ferro, prateleiras carregadas de caixas catalogadas com botões de madrepérola, cerâmica, metal, veludo ou vidro, organizados com uma precisão quase museológica.

As paredes exibem gravuras e pranchas de moda do século XIX, e sobre os móveis repousam máquinas de costura antigas. Há fitas de cetim em todos os tons possíveis, franjas, pompons, galões, trimmings de tapeçaria, além de tecidos vintage, sedas e tafetás de Lyon, infelizmente muitos já não produzidos em lugar nenhum.

Para quem ama moda e criação, é quase impossível não sentir que cada detalhe carrega uma história viva da costura francesa.

Além disso, a Ultramod aparece como personagem indireta em tantas narrativas artísticas da época. Basta lembrar das telas de James Tissot (La Demoiselle de Magasin, 1883–85) ou de Jean Béraud (La Modiste sur les Champs Élysées, anos 1880), que retratavam a figura da vendedora de modas e o fascínio que os acessórios exerciam sobre a Paris elegante.

Foi também no mundo das modistas que mulheres como Jeanne Lanvin e Coco Chanel começaram suas trajetórias, provando o quanto esses espaços eram mais do que lojas: eram verdadeiras escolas de sensibilidade estética.

E é curioso perceber como, mesmo com o declínio do uso diário de chapéus após os anos 1960, a Ultramod se reinventou, diversificando seus produtos para decoração e merceria sem jamais perder seu espírito de tradição.

Hoje, sob os cuidados da família Morin, a Ultramod segue sendo a mais antiga mercerie de Paris em funcionamento, mantendo viva não apenas uma loja, mas um patrimônio cultural.

Visitar a Ultramod não é apenas uma parada prática para encontrar aviamentos; é entrar em contato com uma linhagem criativa que atravessa séculos. É entender que a moda não se constrói apenas nos desfiles de alta-costura, mas também nesses bastidores de fios, fitas e botões que sustentaram o imaginário da elegância francesa.

E talvez por isso o lugar seja tão especial: porque ele nos lembra que cada detalhe, seja um botão, uma fita de veludo, uma pluma rara, pode transformar não só uma peça de roupa, mas também a forma como contamos a nossa própria história através da moda.

E se você gosta desse tipo de descoberta, de mergulhar em armarinhos escondidos, ateliês históricos, livrarias de moda e feiras de rua, acompanhe sempre aqui no blog: compartilho dicas exclusivas dos lugares que visito pelo mundo e que podem enriquecer tanto seu olhar estético quanto sua prática criativa.

Ah, já pensou transformar sua próxima viagem em uma pesquisa de moda e cultura? Aqui, você encontra roteiros, reflexões e inspirações para levar consigo.