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AS FLORES O PROCESSO CRIATIVO NO MUSEU DE YVES SAINT LAURENT


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Saint Laurent sempre foi meu designer favorito, não apenas pelas suas criações, mas também por sua biografia. Ao ler sobre sua vida, ainda quando cursava moda, me identifiquei com o seu temperamento e timidez. Talvez por isso sua obra sempre me tocou de maneira especial, como se houvesse uma ponte secreta entre sua sensibilidade e a forma como ele a traduzia em moda.


Conforme avancei nos estudos de moda, aprendi cada vez mais com seu legado, respeitando e admirando sua genialidade. Seja na criação, no cuidado com a modelagem ou no resultado final da peça, Saint Laurent é, para mim, ao lado de Balenciaga, é um verdadeiro gênio, alguém que soube unir estética e construção de forma excepcional.


Sempre que visito Paris para a Première Vision, reservo um tempo para ir ao Musée Yves Saint Laurent Paris e conferir as exposições do momento. Já escrevi aqui no blog sobre a importância desse museu, que não é apenas um espaço expositivo, mas um lugar vivo de memória, onde sentimos a energia criativa de Yves pulsar a cada detalhe.


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Nessa última visita, aproveitei para ir novamente a um espaço em particular que me emociona profundamente: o escritório de criação de Yves. Na primeira vez que visitei, reconheci imediatamente o ambiente que tantas vezes vi em fotografias de livros e publicações, inclusive aquela imagem icônica de Yves ao lado de seu cachorro Moujik. Estar ali foi como atravessar uma fronteira íntima, quase como entrar na mente do criador. Passei um longo tempo observando cada objeto, fotografando e refletindo sobre seu processo criativo. A mesa, os lápis, os tecidos... tudo parecia carregar a memória de sua disciplina e de sua sensibilidade.


Mas a visita não parou por aí. De setembro de 2024 a maio de 2025, o museu apresenta a exposição “As Flores de Yves Saint Laurent”, que também esteve em cartaz em Marrakech. Pela primeira vez, os dois museus se uniram para montar uma mostra conjunta dedicada a um dos grandes temas da obra do estilista: as flores.



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As flores, para Yves, eram mais do que um motivo decorativo. Eram uma linguagem de vida. Em entrevistas e memórias, ele mencionava seu fascínio por jardins e pela delicadeza das flores, algo que compartilhava com artistas e escritores que admirava, especialmente Marcel Proust. Não por acaso, Proust descrevia mulheres como flores, enquanto Yves retribuía cobrindo-as de flores em seus desfiles. Esse elo entre literatura, natureza e moda revela muito de seu universo criativo.


Na exposição, mais de trinta peças, entre vestidos, bordados, estampas e croquis, revelam como as flores atravessaram sua obra. Do lírio-do-vale que remete à tradição de Dior, às rosas que simbolizam o amor, ao trigo como amuleto de sorte, e até às bougainvilles de Marrocos que marcaram sua vida em Marrakech, cada flor parecia trazer consigo uma narrativa, uma lembrança, um pedaço de sua alma.


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Essa conexão entre flores e criação não era apenas estética, mas também afetiva. Yves e Pierre Bergé viviam cercados por flores em suas casas, em seus apartamentos e ateliês. As flores eram presença cotidiana, inspiração íntima e também símbolo de continuidade. De certa forma, entrar nessa exposição é como caminhar pelo jardim pessoal de Yves, atravessando sua memória e seus desejos.


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O mais interessante é que a curadoria, assinada por Olivier Saillard e Gaël Mamine, propõe a exposição como se fosse um livro. Cada sala é como um capítulo, combinando citações de Proust e silhuetas florais criadas por Yves. O percurso é como um jardim literário e visual, no qual as flores brotam de diferentes formas e sentidos, atravessando épocas e estilos.


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Essa forma de expor também nos leva a pensar sobre o processo criativo de Yves. Ele não via a moda isolada, mas sempre em diálogo com outras artes: a literatura, a pintura, a música, a natureza. Seu processo era como um jardim interior em constante florescimento, no qual ideias nasciam, se transformavam e ressurgiam em novas formas.


Ao visitar a exposição, percebi que o tema das flores também revela algo essencial sobre Yves: sua busca pela beleza como forma de eternidade. Assim como as flores se renovam a cada estação, sua moda sempre buscava reinventar-se, sem perder a delicadeza e a poesia.



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Curiosamente, esse diálogo entre flores e criação também está muito presente no modo como eu enxergo a moda e a cultura. A pesquisa, os arquivos, os livros da BnF que mencionei em outro post, e a experiência de flanar por Paris, tudo se conecta em um mesmo tecido cultural. Yves entendia que a moda não era apenas sobre roupas, mas sobre vida, memória e desejo.


E é exatamente essa mistura que torna sua obra tão atual. No mundo contemporâneo, em que a moda busca constantemente referências visuais e narrativas para se renovar, Yves aparece como um mestre atemporal, capaz de transformar flores em símbolos universais de feminilidade, de força e de poesia.


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Visitar o museu, ver seu escritório novamente, percorrer a exposição e refletir sobre seu processo criativo foi, para mim, uma experiência transformadora. Como fã, pesquisadora e apaixonada pela moda, senti que, de certa forma, pude estar um pouco mais próxima de seu universo íntimo e compreender melhor como nasciam as ideias que mudaram para sempre a história da moda.


Espero que tenha gostado da visita, um beijo e até o próximo post.

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