GALERIA 12 E A IMPORTÂNCIA DE EXPLORAR ACERVOS VINTAGE E BRECHÓS
- Francys Saleh
- há 6 horas
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Visitar um brechó ou acervo de roupas vintage é fundamental para designers e estudantes de moda por diversas razões. Aqui no blog, vocês já sabem: adoro incluir esse tipo de loja e espaço cultural nos meus roteiros de viagem, e cada visita se torna um capítulo importante da minha própria pesquisa estética.
Mais do que simples compras, essas visitas se transformam em experiências formativas. Cada peça encontrada é uma cápsula do tempo, carregando técnicas de confecção, escolhas de tecidos, formas de modelagem e até mesmo sinais de uso que contam uma história. Em tempos de excesso de consumo e produção acelerada, parar diante de uma peça vintage é como respirar fundo: lembra-nos de que moda também é memória, herança e continuidade.
E quando entramos em um brechó, não encontramos apenas roupas; encontramos narrativas. Um vestido de festa dos anos 50 pode trazer à tona imagens de um baile glamoroso, enquanto um blazer dos anos 80 talvez nos faça pensar na ascensão da mulher no mercado de trabalho. Cada detalhe, do corte, a costura, a etiqueta. é um vestígio de época, um traço material de um contexto social mais amplo.

Para designers em formação, essa dimensão narrativa é ouro puro. Ao analisar peças antigas, o olhar criativo não apenas se abastece de formas e referências, mas também aprende a relacionar moda com política, cultura, gênero e comportamento. Afinal, a roupa nunca é neutra: ela traduz valores, simbolismos e desejos de uma época.
Além da inspiração estética, há o aprendizado técnico. Muitas das peças encontradas em acervos ou brechós revelam soluções de modelagem sofisticadas, acabamentos minuciosos e tecidos que já não são produzidos da mesma forma.
Esse estudo é, de certa forma, uma extensão prática da história da moda: enquanto nos livros vemos fotografias, nos acervos tocamos o tecido, observamos a queda da peça no corpo, percebemos a forma como ela foi estruturada. Isso cria uma compreensão muito mais profunda e sensorial, que dificilmente pode ser substituída por imagens digitais.
Aproveito também para trazer o contexto da moulage, pois na história da técnica, essa prática investigativa desempenhou um papel fundamental. Estilistas como Issey Miyake e Azzedine Alaïa mergulharam em acervos de moda para compreender e reinterpretar o trabalho de mestras como Madeleine Vionnet e Madame Grès.
Vionnet, por exemplo, revolucionou o corte no viés e pensou o tecido como matéria viva, capaz de se moldar ao corpo de forma quase escultórica. Grès, por sua vez, elevou o drapeado a um nível artístico impressionante. Ao colecionar e estudar suas peças, Miyake e Alaïa não estavam apenas “olhando para trás”; estavam alimentando sua própria linguagem criativa com fundamentos sólidos e atemporais.

Foi com esse espírito que organizei minha visita à Galeria 12, em Caxias do Sul, durante minha temporada de aulas de moulage no curso de Pós-graduação em Modelagem da UCS. Assim que soube da existência desse espaço, reservei um tempo especial para explorar.
A experiência superou minhas expectativas. Passei mais de duas horas observando cuidadosamente as peças, anotando detalhes de modelagem, fotografando para futuras referências e, principalmente, deixando-me inspirar.
Fui recebida pelo Zeca, curador e guardião do espaço, que não apenas apresentou o acervo, mas também compartilhou histórias preciosas, tanto de sua trajetória com moda quanto de colaborações com nomes como Walter Rodrigues. Esse encontro mostrou como os acervos não são apenas depósitos de roupas, mas espaços vivos, de troca e partilha de conhecimento.
Acervos como a Galeria 12 nos lembram que moda também é patrimônio. Assim como visitamos museus de arte ou arquivos literários, olhar para coleções de roupas é mergulhar em uma memória coletiva. Cada peça preservada é um testemunho daquilo que já foi desejo, símbolo de status, manifesto político ou tendência efêmera.

Entre tantas descobertas no acervo, meus olhos brilharam quando me deparei com um conjunto de blazer e saia da marca Jil Sander, a eterna rainha do minimalismo. Nos anos 1980 ela já era referência, e ainda hoje continua entre as queridinhas do chamado luxo silencioso. E não é à toa: suas peças se destacam pela modelagem impecável, pelos tecidos em fibras naturais e por um design atemporal.
Ao segurar aquele blazer, tive a sensação de que o tempo simplesmente não havia passado. Apesar de ser uma peça dos anos 80, ele poderia facilmente estar pendurado em qualquer arara de loja contemporânea. Essa atemporalidade é, justamente, a grande força do trabalho de Jil Sander. Tanto é que já saí com a peça praticamente no corpo e fui dar aula com ela!
E como não resisti, aproveito essa descoberta para trazer algumas reflexões sobre a marca e a importância da designer alemã na história da moda.
Nascida Hedeimarie Jiline Sander, a estilista construiu sua carreira a partir de uma aposta ousada: defender a máxima “menos é mais” em uma época marcada por exageros estéticos. Enquanto os anos 70 e 80 vibravam com cores intensas, ombreiras dramáticas e ornamentos em excesso, ela nadava contra a corrente propondo linhas limpas, tecidos de alta qualidade e cortes impecáveis.
Essa visão rendeu a ela o título de “The Queen of Less”, um apelido que traduz bem sua essência criativa.
Embora no início sua estética não tenha sido tão bem compreendida, foi justamente nos anos 1980 que o trabalho de Jil Sander começou a ganhar força. Seus tailleurs de lã, compostos por blazer estruturado e saia lápis, tornaram-se peças-chave para mulheres que ocupavam novos espaços no mercado de trabalho. Elas buscavam transmitir autoridade sem abrir mão da sofisticação, e o conjunto da estilista alemã era exatamente isso: austero, elegante e eterno.
O grande diferencial da marca estava na perfeição da modelagem. Enquanto outras casas de moda ainda exploravam volumes marcantes, Jil Sander preferia o refinamento do corte: o blazer caía como uma segunda pele nos ombros, a saia acompanhava o corpo de forma precisa, e a ausência de ornamentos deixava toda a atenção voltada para o tecido e para a forma.
Essa depuração estética transformou o tailleur em um verdadeiro símbolo de poder minimalista.
Vestir um conjunto de Jil Sander não era apenas escolher uma roupa de trabalho; era fazer uma declaração.
Representava uma nova forma de elegância, baseada não no espetáculo, mas na contenção. Foi assim que, pouco a pouco, a estilista pavimentou o caminho para que o minimalismo se tornasse uma das correntes mais fortes da moda nos anos 1990.
Saí da Galeria 12 com a sensação de ter descoberto verdadeiros tesouros. Sabe aquela alegria que só quem já garimpou uma peça incrível consegue entender? Foi exatamente isso: encontrar algo que, além de me vestir bem, carrega história, memória e significado.
Voltei para casa ainda pensando em cada detalhe, nos cortes, nos tecidos e nas conversas que tive durante a visita. Mais do que roupas, trouxe comigo uma bagagem de inspiração e essa é, talvez, a parte mais bonita de explorar acervos e brechós: não se trata apenas do que levamos na sacola, mas do que levamos na alma e no olhar criativo. E antes de finalizar este post, quero deixar algumas dicas para você aproveitar a sua próxima visita a um brechó:

SUGESTÕES PRÁTICAS PARA ESTUDANTES E DESIGNERS
Se você deseja começar a explorar esse universo, algumas práticas podem potencializar suas visitas:
Leve um caderno de anotações ou tablet: registre detalhes de costura, caimento, acabamentos.
Observe etiquetas e marcas: elas contam muito sobre a origem da peça.
Fotografe com atenção: não apenas a peça inteira, mas também detalhes como botões, zíperes e costuras internas.
Converse com curadores e vendedores: muitas vezes eles possuem informações valiosas sobre a procedência das roupas.
Pense em como aplicar o que viu: esboce ideias de releituras ou novas combinações inspiradas nas peças observadas.
Nos meus roteiros de viagem, visitar brechós se tornou quase um ritual. Seja em feiras de rua, tanto no Brasil quanto lugares como Paris, Nova York, Londres ou Buenos Aires, sempre encontro espaços que me revelam outra face da cidade. É fascinante perceber como cada cultura se expressa também através de suas roupas usadas: cores, tecidos e estilos dizem muito sobre o modo de vida de cada lugar.
Mais do que comprar, é sobre colecionar experiências. Cada visita me permite mergulhar em uma micro-história da moda, e esse repertório se acumula e se reflete no meu trabalho como professora, pesquisadora e designer.
Ao final, fica claro que visitar brechós e acervos não é apenas um hobby, mas um método de pesquisa, um exercício criativo e uma forma de expandir repertórios.
Espero que você tenha gostado desse conteúdo, um beijo e até a próxima!