LONDRES: UM LABORATÓRIO VIVO DE IMPRESSÕES DE MODA, HISTÓRIA E SUSTENTABILIDADE
- Francys Saleh

- há 6 dias
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Fazia tempo que eu não visitava a capital inglesa e, como sempre, ela me recebeu com aquela mistura única de história, velocidade, refinamento intelectual e claro que não podia faltar - a tradicional chuva!

Londres é especial por muitas razões. Não apenas pela contribuição para a cultura ocidental, já que estamos falando da terra de Shakespeare, Virginia Woolf, Vivienne Westwood, Beatles, Oasis, Alexander McQueen e tantas outras vozes que moldaram imaginários. Caminhar pelas ruas é lembrar que literatura, arte, música e moda sempre dialogaram profundamente.

É impossível estar ali e não pensar na Revolução Industrial, um dos maiores pontos de virada da humanidade. Foi em solo britânico que o mundo mudou de escala e ritmo. A transformação não foi apenas econômica. Ela alterou estruturas sociais, remodelou a vida urbana e abriu espaço para novas sensibilidades estéticas.
Com ela vieram movimentos que atravessaram o tempo, como o dandismo, expressão sofisticada de resistência, autoconsciência e estilo entendido como afirmação política.
Voltar a Londres é revisitar esses fios que compõem a história da modernidade. É entender que cada esquina traz um capítulo, cada bairro carrega um gesto, cada vitrine ecoa uma herança. E que, mesmo com toda modernidade, a cidade nunca perde sua alma crítica, inquieta e criativa.
Foi especial voltar à cidade com a minha pesquisa em mente. O tema da sustentabilidade me fez refletir sobre como tudo isso começou, porque na própria história da Revolução Industrial já encontramos traços do que mais tarde seria reconhecido como fast fashion. Ainda no século XIX, Karl Marx denunciava a péssima qualidade das roupas produzidas naquele novo ritmo fabril. O algodão barato substituía a lã e o linho, e a lógica da produção acelerada já se insinuava como uma espécie de antepassado remoto da descartabilidade atual. Mal sabia ele que, pouco mais de um século depois, estaríamos literalmente embalados em plástico.
Essa viagem também foi especial para revisitar a origem dessas transformações. Há exatamente um ano eu estava no Vale do Silício, na Califórnia, onde mais uma onda transformadora, tão disruptiva quanto a Revolução Industrial, se consolidava diante dos meus olhos. Poder estar fisicamente nesses lugares tem sido um privilégio intelectual e sensorial. São espaços que ajudam a compreender de perto como os movimentos históricos acontecem, como são sentidos pelas pessoas e como se refletem na vida cotidiana.
Como foi uma viagem rápida, o objetivo era apenas percorrer a cidade com atenção plena, observar os bairros tradicionais, sentir o ritmo das ruas e captar aquele diálogo silencioso entre passado e presente que Londres sempre oferece. Gosto de viajar assim, sem pressa e sem a necessidade de “fazer tudo”, mas com foco em ver bem.
Nos meus próprios guias de viagem sempre incluo um conjunto de atividades obrigatórias, quase como um ritual de pesquisa. Para quem trabalha ou estuda moda, esses endereços são indispensáveis porque revelam camadas da cidade que não aparecem em roteiros comuns. São eles:
Livrarias: onde busco livros de moda, fotografia, história e cultura material.
Magazines e lojas conceito: espaços onde é possível estudar comportamento, marketing sensorial, experiência de marca e curadorias criativas.
Brechós: fundamentais para entender ciclos de consumo, qualidade de materiais, técnicas antigas de costura e a longevidade das roupas.
Feiras de rua: que mostram a estética viva da cidade, a produção independente, e funcionam como um laboratório real de tendências e micro culturas.
Esses quatro eixos dizem muito sobre uma cidade e, sobretudo, sobre como ela veste, pensa, produz e consome.
Eles permitem mapear referências, perceber nuances, registrar detalhes que mais tarde alimentam meus estudos sobre sustentabilidade, cultura do vestuário e historicidade da moda.
LIVRARIAS
Nas lojas dos museus existem verdadeiros tesouros. Eu já havia comentado neste post sobre a livraria do Tate, mas uma das mais especiais é a do Victoria and Albert Museum. Além do acervo impecável, ela oferece edições próprias da V and A Publishing, com uma curadoria que impressiona pela profundidade e variedade. Os temas percorrem história, sociologia, estamparia, design e desenho de moda. E embora eu tenha optado por comprar os livros pela Amazon, pois não preciso ficar carregando durante a viagem, estar nessas livrarias é importante para folhear as obras e ver a seleção e curadoria do que está exposto.
Além das livrarias dos museus, a cidade oferece uma infinidade de sebos e lojas especializadas, como a Assouline e a Taschen, que são verdadeiros convites para mergulhar na atmosfera londrina. Cada espaço tem sua personalidade: dos sebos silenciosos e cheios de achados raros às livrarias-conceito que transformam livros em objetos de desejo.

MAGAZINES E LOJAS CONCEITO
Como mencionei, os magazines e as lojas conceito são alguns dos melhores espaços para estudar comportamento e marketing sensorial na prática. Ali vemos experiência de marca, narrativa, posicionamento e até estratégias de fidelização, principalmente quando interagimos com os vendedores e entendemos como cada marca deseja ser percebida.
As lojas conceito do Chelsea, com aquela atmosfera intimista, são perfeitas para observar de perto o perfil de consumo de marcas nichadas. Já a dinâmica dos turistas na Harrods ou nas grandes grifes da Bond Street revela outro ritmo, outra lógica e outras motivações de compra. Precisei resolver um problema no forro do meu trench coat da Burberry e acabei tendo uma experiência impecável dentro da loja, o tipo de situação que sempre nos ensina mais sobre serviço, protocolo e excelência.
E há também a experiência quase ritual de caminhar pela Liberty. Para quem conhece sua história, é impossível não se emocionar ao lembrar o papel fundamental da loja no movimento Arts and Crafts e perceber como essa herança continua viva até hoje. A curadoria de marcas, os objetos expostos, a arquitetura e até o perfume que circula pelos corredores contam uma história sobre Londres, suas identidades e seus artesãos.
Pensar em sustentabilidade na capital inglesa também é essencial. Ainda que a Revolução Industrial tenha desencadeado muitos dos problemas que enfrentamos até hoje, é importante lembrar que ali mesmo surgiram movimentos de resistência e crítica, como o Arts and Crafts no século XIX, os coletivos de reconstrução durante a guerra e, mais tarde, a rebeldia consciente de Vivienne Westwood e do movimento punk.
Cada um desses lugares revela um recorte diferente do estilo londrino, do experimental ao clássico, do luxo ao design independente. Funcionam como pequenas galerias vivas, onde é possível observar comportamento, curadoria e identidade de marca de um jeito que só Londres proporciona.

Aprender com os designers britânicos, como Westwood, também significa entender sustentabilidade para além de materiais. Ela está na identidade criativa, no corte, na construção e na longevidade estética das peças. Sempre digo que moda sustentável não se faz somente com fibras recicladas, mas com designers que possuem visão, DNA claro e compromisso com a forma. Ao investir em peças pensadas de verdade, como este casaco que vi na loja, com modelagem estruturada, proporções próprias e independentes de tendência, percebemos o que é durabilidade estética. Para mim, esse é um dos pilares mais importantes da sustentabilidade. Confesso que foi mágico ver essa peça ali, naquele contexto e naquele lugar.

Os brechós entram nessa mesma lógica. Lá, as roupas ganham nova vida, novo significado e nova importância quando inseridas dentro de uma curadoria vintage. Londres tem uma aura especial nos brechós, algo que não encontro em outras capitais. Talvez porque o estilo londrino sempre tenha sido singular, marcado por uma excentricidade criativa que os britânicos carregam com naturalidade. Nos brechós de lá, isso é visível. São espaços vivos, cheios de histórias e peças únicas que revelam as camadas culturais da cidade.

E, ainda que eu não tenha criado uma categoria específica para isso, preciso mencionar o chá. Seja nos salões tradicionais, nos itens vendidos pela cidade, nos menus dos restaurantes ou nas lojas especializadas, o chá faz parte da identidade britânica. Tenho minhas marcas preferidas e, curiosamente, a maioria é francesa. Gosto da Kusmi Tea pelos blends que consigo integrar facilmente ao meu dia a dia, gosto da Mariage Frères pelo cuidado absoluto com os detalhes, até hoje com saquinhos de algodão. E quanto as marcas inglesas, a minha preferida é a Whittard of Chelsea, visitei duas lojas na cidade e lá provei vários sabores e misturas, exatamente o tipo de experiência sensorial que gosto de ter em viagens, e saí com dois blends novos na mala. Indico visitar a loja tradicional no Chelsea.
E claro, viajar também significa mergulhar na vida local. Sempre busco exposições temporárias, eventos culturais e a culinária típica. O que as pessoas comem, como se encontram, que rituais preservam, tudo isso faz parte da mesma ecologia cultural que molda moda, comportamento e identidade, sendo assim aproveitei para visitar o Hyde Park Winter Wonderland ou simplesmente o Winter Wonderland, que é uma grande feira anual de Natal das maravilhas do inverno realizada em Hyde Park, Londres, de meados de novembro ao início de janeiro. Por lá me perdi nos doces: Comi o melhor salted caramel brownie da vida! Bebi uma espécie de questão e um tradicional cookie!
Foi dessa maneira que revisitei Londres: misturando pesquisa, sensibilidade e curiosidade. E é justamente assim que a cidade revela sua força.
Espero que você tenha gostado dessa versão mais light do meu tour por Londres. Em breve pretendo voltar com mais tempo para percorrer as bibliotecas, museus e arquivos que serão fundamentais para o avanço da minha pesquisa. Há camadas da cidade que exigem calma, silêncio e dias inteiros de observação, e quero dedicar a elas a atenção que merecem.
Enquanto isso, deixo aqui os guias organizados de outras viagens com todas as atrações completas, pensados exatamente para quem busca moda, história, comportamento urbano e boas referências culturais, você também pode navegar no blog pela #estudarmodaemlondres.


































